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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Réguas e medidas...


         Eu gostaria de escrever sobre outro tema, mas hoje recebi uma crítica de um amigo (gay) e gostaria de fazer uma reflexão sobre ela.
Em uma conversa pela internet, esse amigo me disse em tom sacerdotal:
- Você é promíscuo... (!)
No caso dele, que é estudante de Psicologia, o tom foi mais de diagnóstico, só faltou um laudo que atestasse a minha promiscuidade. Sinceramente me incomodou um pouco a constatação. Ainda mais vinda de quem veio, e na situação que veio.
Nós, LGBT’s, somos freqüentemente chamados de promíscuos, o Deputado Jair Bolsonaro, Silas Malafaia, Magno Malta e outros da mesma linha dizem isso constantemente.
Os que são diferentes são promíscuos, imorais, indecentes, vagabundos, más-companhias, só para usar os adjetivos mais leves.
Como disse, ser chamado de promíscuo me incomodou. Passei uma parte do meu dia revendo minha vida, minhas ações, o que eu andava fazendo (e aprontando), passei em revista tudo aquilo que poderia me tornar “promíscuo”, os lugares que freqüento, minhas escolhas profissionais, minhas companhias, minhas convicções religiosas, políticas, meu gosto musical, e, é claro, minha vida afetiva e sexual. Visitei tudo o que pudesse me dar algum indício de minha promiscuidade e não encontrei nada que pudesse servir de sustentação para o meu mais novo título.
Pois então, o que nos torna promíscuos? Ou melhor, a partir do que somos chamados de promíscuos?
A partir dos valores de quem nos rotula. Confesso ser chamado de promíscuo por pessoas que pensam como o Bolsonaro de certa forma me orgulha, os valores que elas representam são opostos aos meus.
E foi isso que me incomodou muito, os valores utilizados para me julgar, para me medir, não são os valores que eu tenho como meus. Sempre somos julgados a partir de valores que não são nossos, valores estes que sustentam atitudes preconceituosas, que excluem os deficientes, discriminam os negros, que oprimem as mulheres, que nos diz como devemos nos comportar, nos levam a agir de maneira que sejamos “moralmente aceitos” e exigir isso dos outros.
A sociedade, a família, todos esperam que eu corresponda ao que é moralmente correto. Que eu me case, que eu tenha filhos, que eu trabalhe, que eu seja monogâmico, heterossexual, branco e que eu seja casto, ou pelo menos seja discreto, a ponto de não dar motivo para os vizinhos falarem.
Ter uma condição diferente, expressar minha sexualidade de outras maneiras, e desfrutar dessas possibilidades me distancia cada vez mais do que esperam de mim, e foi isso que eu acredito que meu amigo quis dizer.
Ser gay (o que não escolhi) já me distancia desta expectativa, mas ao escolher outros caminhos me distancio mais ainda, e isso é imperdoável. Sendo gay eu deveria ficar quietinho na minha, não aparecer, fazer o possível para que as pessoas não me percebessem.
Confesso que muitas vezes agi assim. Me anulei, me escondi atrás da religião, da moral ou do que pudesse me proteger. E julguei muita gente também, gente que estava mais longe do modelo que eu. Ora era aquele que era efeminado demais, ora aquela que era masculinizada demais, espalhafatosa demais, pintosa demais, fica com gente demais. E por aí foi!
Tendo vida sexual ativa a situação fica mais complicada não?
Obviamente que desejo ter um parceiro, construir uma vida juntos, planejar coisas, mas isso ainda não aconteceu. E não ter parceiro fixo, estar solteiro e ficando por aí, aparentemente, é um dos itens que depõem contra a minha dignidade, aliás, depõe contra uma moral que não é mais a minha, me tira do lugar que me prepararam e que muita gente, inclusive gays, insistem que eu deva ocupar.
E é isso que eu gostaria de propor como reflexão, e que foi o que me chamou a atenção na conversa que contei no início texto.
Com base na moral de quem eu vivo? Com que régua sou medido? E com que régua eu meço?
            Assumo que sou diferente, como todo mundo o é! Tento na medida do possível rever meus conceitos, e modificar meus preconceitos, sim, eu ainda os tenho. Vivo neste mundo, acabo carregando alguns vícios e preconceitos dele, logo, vivo me olhando, vendo onde posso melhorar, as vezes não dá muito certo admito!
Tento levar a minha vida do meu jeito, sem muitos parâmetros, sei que sou um bom filho, um bom amigo, tenho lá os meus defeitos, meus momentos de mau-humor.
Fiz escolhas na minha vida, e estou muito feliz por ter coragem de fazê-las, não nego o que sou, gosto de mim, e não acho justo estimular as pessoas a se negarem, a “não-serem”. Se não me enquadro nas medidas, se ofendo a moral dos outros, vejo isso com bons olhos, estou sendo percebido, sentido e me recuso a viver escondido.
 Acredito em um país onde as pessoas possam ser o que são, como são, livremente. Sem medos, sem recriminações, sem medidas, ou “réguas morais”, apenas “sendo”.
Fui ao dicionário ver a definição de “promíscuo”. Segundo o Michaellis, a melhor definição para promíscuo é “confuso”, humano que sou, tenho meus momentos de confusão, de desordem, de mistura. Quem não tem? Então vai ver que sou meio promíscuo mesmo!
Mas de tudo isso de uma coisa eu tenho certeza e sem a menor confusão: construí ao longo da minha vida os meus valores, os meus conceitos e com a reguinha da moralidade eu não aceito ser medido mais!

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Em tempo: Este texto foi escrito para o site Homofobia Não, que foi covardemente atacado e continua em manutenção preventiva.


Um comentário:

  1. Caro amigo... réguas, padrões e instrumentos para medir é o que não nos falta nessa sociedade. Culturalmente medimos tudo. Moralmente somos tentados em nos adequar à padrões tao hipócritas ao ponto de rotularmos classes, gostos, crenças e até a sexualidade alheia!
    Lembro-me qdo me contou esse papo, e na minha opinião, o mais lamentável é encontrar pessoas (na mesma causa) com conceitos tao cristalizados. Digo isso, pois presencio frequentemente, "figuras" que evidenciam e reproduzem tanta babaquice em seus discursos preconceituosos sobre EM. Fico puta!
    Bjinho...Adoro passar por aqui!

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