Páginas

terça-feira, 13 de março de 2012

AIDS, aconteceu comigo...



            Dias atrás estava revirando a net procurando alguns filmes para baixar e encontrei um link para o filme “AIDS, aconteceu comigo...”. Assisti a este filme na minha pré-adolescência, a intenção do filme era alertar para a epidemia do HIV no mundo e mostrar como era a vida (ou sobrevida) das pessoas infectadas em uma época em que não havia garantia de qualidade de vida alguma para quem portasse o vírus.
AIDS, aconteceu comigo (1985)
Junto com os filmes “E a vida continua” e “Kids”, esse filme foi durante muito tempo a referência que eu tinha sobre as DST/AIDS, e até hoje são referências interessantes para se entender como o início da epidemia de AIDS era visto no mundo e as limitações que a doença impunha.
Fui criança na época em que a AIDS se espalhou pelo mundo – ali pelos idos de 1985 – e até a minha adolescência, enquanto via meus ídolos padecerem da “peste gay”, não se falava abertamente sobre a doença, nem sobre as formas de contágio, sintomas ou tratamento.
Não se falava em casa, nem na escola, nem em lugar nenhum, já que falar sobre a AIDS, obrigatoriamente, faria com que as pessoas falassem sobre sexo, drogas e um pouco de rock’n roll, o que não era bem visto.
A única coisa que se dizia é que a que a AIDS era uma doença que acometia os gays, prostitutas e quem mais levasse uma vida desregrada. Logo, só se espalhava o terror!
E a vida continua... (1993)
Para se ter uma idéia de como a epidemia da AIDS impactava as crianças em meados da década de 80 e início da de 90, durante um bom tempo meu irmão mais velho se recusava a ficar sem camiseta, não importava o calor que estivesse fazendo, se estávamos em uma piscina ou não. Ele tinha medo de pegar AIDS, não podia ficar sem camisinha (ele morre de vergonha dessa história e vai querer me matar por ter contado aqui).
Imagens de pessoas adoentadas, com o corpo tomado por sarcomas, com a saúde bastante debilitada, e sem muita expectativa de vida eram amplamente divulgadas. Portadores do HIV eram rotulados e separados do convívio social. A AIDS era tida como uma condenação por se ter mau comportamento sexual, um castigo divino a quem levasse uma vida promíscua. E por mau comportamento sexual e vida promíscua entenda-se ter uma vida sexualmente ativa.
Campanha francesa contra o HIV 
Já na adolescência, as aulas sobre educação sexual se limitavam (e até hoje isso acontece) a tratar de temas como o funcionamento do aparelho reprodutivo, fecundação, gestação e não iam muito além disso não. Sobre as doenças sexualmente transmissíveis o que se fazia nas escolas é algo mais próximo de terrorismo do que de educação sexual.
Na escola, como em casa, nos era passada a idéia de que vida sexual saudável é uma vida heterossexual e monogâmica. A virgindade e a abstinência sexual até o casamento eram tidas como a melhor forma de prevenção, e nos era ensinado que o sexo tinha a finalidade única e exclusiva da reprodução. E só.
Em uma sala de aula com cerca de 40 adolescentes explodindo de hormônios, não se falava de desejo, de tesão, de sentimentos, de expectativas, não se acolhia as dúvidas, e não se abria espaço para que as confusões aparecessem, não se percebia esse período e essas condições como propícias para se educar para uma vida sexual saudável.
O que se falava de sexo na minha adolescência era algo muito mecânico. Tanto em casa, quanto na escola, ensinar a prevenir DSTs e gravidez na adolescência era impensável, já que equivaleria a ensinar as pessoas a serem sexualmente livres e estimularia as pessoas a vivenciar sua sexualidade, o que não interessava às famílias respeitáveis.
Mas voltando ao assunto, as DST/AIDS e o acesso à informação sobre elas, o que aprendi sobre as DST/AIDS na adolescência, aprendi sozinho. E creio que muita gente passou por isso.
E aprender sozinho não é uma experiência muito boa.
Não ter sido educado para viver a minha sexualidade plenamente e independente de minha orientação, ter tido uma educação sexual carregada de moralismos e preconceitos que não entendia o sexo como algo saudável e natural, ter tido uma educação que compreendia o sexo apenas como um meio de reprodução e não como uma experiência que me traz satisfação e proporciona prazer, me limitou sexualmente durante muito tempo. Fui educado para ver o sexo como algo sujo, para acreditar ser errado vivenciar e ter prazer sexual. Masturbação, sexo entre homens, toda e qualquer experiência erótica que diferisse do que estava socialmente estabelecido (o que incluía pensamentos, sonhos...) era passível de culpa e moralmente condenável.
Assim, toda a minha atividade sexual era feita escondida, sem medir os riscos que corria. Muitas vezes sem nenhum tipo de cuidado e sem nenhuma proteção.  E, apesar do título da postagem se referir diretamente ao filme, considerando as situações a que me expus a AIDS bem que poderia ter acontecido comigo. Dei muita sorte!
Não ter sido preparado, não ter tido a oportunidade de questionar, de fazer perguntas, esclarecer dúvidas, me levou a ter um comportamento de alto risco. Não tinha a capacidade, nem o discernimento para mensurar o risco que corria.
A primeira vez que parei para pensar sobre a vida que levava foi quando tive uma infecção urinária causada pela eliminação de cálculos renais, e que o bobão aqui estava morrendo de medo que fosse alguma DST. Depois desse susto entrei numa neurose de que tudo era doença sexualmente transmissível, passei a fazer exames quase que mensalmente. Seguia a lógica do oito ou oitenta, ou tinha uma vida sexual intensa e cheia de riscos ou não tinha vida sexual nenhuma.
Me deparei com alguns  profissionais de saúde despreparados, com um sistema que se preocupava mais com números e estatísticas do que com pessoas. Depois de muito rodar, acabei encontrando um médico bem bacana, que antes de me pedir exames, quis me ouvir e conhecer um pouco mais da minha vida. Me perguntou quais eram os meus hábitos sexuais e quais os cuidados que eu tomava, tentou compreender o tipo de formação eu tinha e as dúvidas e angústias que eu carregava.
Me orientou a criar rotinas de saúde, que incluía consultas com especialistas, e hábitos de prevenção. Eu, por exemplo, nunca tinha ido a um urologista ou qualquer outro especialista que cuidasse da saúde do homem, já que fazia meus diagnósticos pesquisando sintomas pelo Google e sempre escolhia a pior doença. Me ensinou a cuidar de mim, conhecer o meu corpo e perceber mudanças, me fez compreender que cuidado é sinal de amor próprio, de compromisso consigo mesmo, e com os outros, por que não dizer.
Usar camisinha, coisa que antes era impensável, passou a ser condição para o sexo. Tem gente que diz que sexo com preservativo é a mesma coisa que “chupar bala com papel”. Eu não acredito que seja, aliás, como disse em outro texto, penso que o prazer sexual não está ligado só ao pênis, ânus ou vagina, prazer sexual se obtém no corpo todo, explorar o corpo é tão bom que às vezes nem é preciso “chupar a bala”, mas é bom deixá-la com papel.
Hoje tenho dois amigos que são HIV+, ambos heterossexuais e casados e ambos infectaram as parceiras. Um deles se contagiou usando seringas coletivas e o outro numa relação extraconjugal heterossexual. O primeiro se abraçou na ideia de que as DST/AIDS só acontece na casa dos outros, o segundo de que as DST/AIDS era doença de gays. Os dois só descobriram quando começaram a apresentar os sintomas da síndrome, a parceira de um deles ficou bem mal.
Mês passado fiz os testes de HIV, Sífilis e Hepatites (todos negativos), e lá no Centro de Testagem havia todo o tipo de pessoas retirando medicamentos para tratamento da AIDS, conversei com vários pacientes e cada um tinha uma história diferente, com valores e hábitos diferentes.
Ou seja, as DST/AIDS estão em todos os lugares, e não faz distinção de homem, mulher, hétero, homo, branco, negro, rico, pobre, casado, solteiro, ou tico-tico no fubá, elas acontecem para quem se expõe desnecessariamente aos riscos e se fia na idéia de que DST’s só acontecem com os outros e não se cuida!
E hoje, em um tempo em que o Poder Público diminui o investimento em políticas de prevenção e combate às DST’s, vacila em fazer campanhas que alcance todos os segmentos sexualmente ativos da população (inclusive os mais vulneráveis) e cede aos apelos fundamentalistas do Congresso; em um tempo em que em alguns lugares a AIDS é tratada como um simples resfriado, todo cuidado é pouco.
Então meus amigos, usar camisinha, fazer exames anuais, cuidar da saúde é bom e não faz mal a ninguém.



Mais informações acesse AIDS.gov 




PS: Por gentileza assinem petição contra a PEC 99 que quer dar poderes a instituições religiosas cristãs de propor ações diretas de constitucionalidade e inconstitucionalidade ao STF e defende a laicidade do Estado: CLIQUE AQUI 

5 comentários:

  1. Parabens pelo texto Flá. Sempre é tempo de falarmos com responsabilidade e clareza de assuntos relevantes a todos, independente de opção sexual ou valores morais. bjs meu amigo <3

    ResponderExcluir
  2. Grande texto, parabéns, você abordou muito bem esse assunto. Gostei muito.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pelo comentário Rodrigo, espero te ver mais vezes por aqui! Um Abraço

      Excluir
  3. Flavio, qual o link onde vc conseguir o filme "AIDS, aconteceu comigo"? Já procurei e não encontrei. Ele é um clássico para mim. Abraço

    ResponderExcluir
  4. This is a gooԁ tip especially to thοse neω to the blogоsphere.

    Short but vегy рrесіsе
    info… Manу thаnkѕ for shаring this one.
    A muѕt гead post!

    Feel free to viѕit mу site v2 cigs review

    ResponderExcluir

ATENÇÃO: Não são tolerados textos de conteúdo ofensivo, que atentem contra à dignidade da pessoa humana, contenham palavras de baixo calão, incitação ao ódio, a violência ou discriminação de qualquer natureza. Comentários deste tipo serão sumariamente descartados.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...